sábado, janeiro 17, 2004

De Divina Proportione

Procuram os cientistas determinar o corpúsculo momento que dá vida; fecundação do óvulo, constituição definitiva, consciência de si e do exterior, momento do parto. Serão sempre interessantes e não negligenciáveis estas abordagens. Contudo, a questão não se esgota na perspectiva científica; de facto, ela é na essência filosófica.

Ganha pertinência este tema num tempo em que é ténue a diferença entre homicida e herói. Tempos difíceis estes em que o homem e Deus se confrontam.

O homem estabeleceu para si um conjunto de valores que norteiam a sua conduta. Esta consciência interior ganha maior projecção nas sociedades em que o estado é um instrumento da fé. Não a nossa, que a inquisição não ficou na memória, levou-a a vergonha. Vivemos hoje numa sociedade livre, na ilusão do livre-arbítrio e com a herança de séculos de evangelização. Nada de errado até aqui, foi esta a nossa escolha, foi este o nosso desígnio.

A tradição é pesada; não tivéssemos nós a imagem de uma Maria imaculada para nos lembrar que seu filho não recebeu dela a vida, e tudo seria muito mais simples. Ninguém questiona o legítimo direito das mulheres à maternidade; se o fizéssemos estávamos a questionar a sobrevivência da espécie. Não se contesta igualmente o sofrimento de uma gravidez não desejada, quaisquer que sejam as razões. Sentir um filho e não o desejar é razão bastante para destruir não uma mas duas vidas, a da mãe que chora o destino e a do filho que a sente. Pior, muito pior, é na encruzilhada da vida, no terror de um destino malfadado, não restarem mais opções. E todos sabemos que é para a mãe que um filho manda o último choro.

Avançará a sociedade com a despenalização do aborto; ficaremos nós mais felizes, mais sábios, mais cívicos? Penso que não; contudo, temos que a aceitar pois não é a norma de jure que vai alterar a norma de facto. Perguntarão, e então o que nos sobra? Educação, educação e muita, mas mesmo muita, compaixão!

Em consciência elevemos os que confrontados escolheram o mais difícil, aceitar os filhos que não podem criar. Cabe-nos aqui um papel maior, o de acolher estas crianças e de lhes dar amor, é o mínimo que se nos exige.

Epílogo
Todas as motivações são egoístas por natureza. Espero que não caminhemos para o mais fácil, temo a sociedade em que a vida seja um produto e não um direito.

A ternura desta imagem vai muito para além das palavras!

Há textos difíceis de escrever; outros há ainda mais incómodos de ler. Fácil mesmo era não falar do delicado, bastava fechar a portada e ficar à espera.

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