sexta-feira, outubro 17, 2003

Islão profundo

Ao ler as Conversas Islâmicas do JPP recordei uma viagem recente.
Fanático por mergulho, viajei com amigos para o Mar Vermelho. Esperava-nos um iate de 36 metros; coisa vistosa mesmo sabendo que éramos 22 mais os 9 da tripulação. Partimos de Hurgarda e descemos até aos limites do Egipto com o Sudão, cuja guerra nos impediria de visitar.
A média andava nos 3 mergulhos dia, podendo se inspirados atingir os 4. Uma loucura! Mergulhava-se, comia-se e descansava-se. O mar recortado pela costa agreste, avistada aqui e ali muito à distância, perdia-se num azul vivo onde se escondia o tesouro. Lago a maioria das vezes, permitia ao iate galgar milhas infinitas.
A tripulação era inexcedível. Com sorriso natural ajudavam-nos na árdua tarefa de equipar e entrar no bote. Quando regressávamos ao barco já nos esquecêramos do peso de todo o equipamento. Entre eles, destacava-se o Moahamed (não o eram todos?) que se intitulava o mordomo do barco. De facto, ninguém entrava nos nossos camarotes sem a sua supervisão. O capitão, o engenheiro das máquinas e o cozinheiro nunca se misturaram connosco. A dive-master, essa, era holandesa e todos se queriam misturar com ela ... sobravam os quatro tripulantes sempre bem dispostos e, pasme-se, com ganas de cantar. É verdade, tivessem algum descanso e a cantilena vencia a reza.
Nos momentos de maior viagem deitávamo-nos no fly-bridge e, debaixo de uns 42 graus à sombra, gozávamos a brisa que nos refrescava.
O paraíso estava encontrado e eu merecia-o!
No regresso, já com as malas arrumadas, mesmo antes de partir, ofereci o meu fato de mergulho ao Moahamed. A dávida nem fora grande pois viera da Dekatlon, mas fora pretexto suficiente para o equidistante mordomo abrir as defesas. Tirou da carteira em pele de camelo uma foto da sua noiva. O fotógrafo esmerara-se em sobressair as cores; lábios carnais, olhos azeitona, roliça o quanto baste e o olhar do Moahamed derretia-se em sonhos que só ele podia imaginar. Este era o seu quarto Verão embarcado; os honorários e as generosas gorjetas iam permitir-lhe acabar a casa no Cairo (o que quer que isso signifique pois as casas árabes nunca se concluem) onde se iria casar. A noiva trabalhava numa fábrica mas por pouco tempo; não que soubesse mas a decisão já há muito estava tomada; mulher de Moahamed não haveria de ser cobiçada por outro. Fiquei aterrado; fiz o impossível e imprudente ao tentar valorizar os modelos da sociedade ocidental. Moahamed exasperou-se!
“O problema do Egipto é de não ser tão rigoroso como o Sudão. Lá, quem rouba perde a mão!”.
O abismo caiu frio e brutal entre nós; senti um murro mesmo na boca do estômago. Ou, como diria o JPP, "não é simples".


Zebra, de que cor és tu?

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