terça-feira, outubro 28, 2003

Ensaio sobre a loucura

Não, não é o último livro do Saramago; esse será sobre a lucidez. Vou falar-vos, nem sei se deva, sobre uma carta perturbadora. Eram exactamente onze da noite quando sou informado pelo diligente Outlook que tinha recebido um novo email. Não é normal estar no escritório até tão tarde, mas hoje aconteceu por motivos bem mais espartanos do que aqueles que vos vou desvendar. Não fora o anti-spam ter falhado e jamais a teria lido. A carta era longa, jantaria mais tarde.
Pensei em ignorá-la, mas as náuseas que me provocava só se desvaneceriam se dela me livrasse; escolhi o meu blog; que importa isso agora quando o que está em causa me esmaga, me atormenta. Publico-a então!
O texto não era certo, por vezes confuso, obrigou a alguma adaptação e sofre assim das limitações deste escrevinhador. Farei comentários entre parêntesis sempre que necessite desabafar, e omitirei texto sempre que tal se justificar.

João
(não o conheço, mas deve confortá-lo tratar-me assim)
Faço-lhe chegar esta carta por um amigo meu confidente. Espero que a receba como a escrevi. Não omito nada nem acrescento o que não fiz. Escrevo de rajada pois temo que o efeito da medicação não tarde. Faço-o, também a si, meu confidente; vi-o noutros tempos e simpatizei consigo. Parecia humano bem vê!
(confundiu-me, já me aconteceu antes)
Estou preso; mais precisamente há 12 anos, feitos em Fevereiro, por um crime que não cometi; melhor, penso não ter cometido. A memória escapa-me e a razão também. Todos os dias a mesma coisa; ao acordar segue-se o cocktail de medicamentos que engulo de imediato, só com copo-de-água pois o jejum ajuda. Tenho uma hora de lucidez, a primeira do dia, depois como que desfaleço; no fim a ressaca acorda-me para mais um suplício. Mas não é disto que lhe quero falar. Deixe-me começar pelo início.
Desde a meninice que me deixo arrebatar com facilidade, reconheço-o agora com nitidez. Alguém, nem sei bem quem, travou precipitadamente à minha frente. O meu carro, herdado da minha mãe, não se aguentou. Dei uma guinada e fui embater de frente no muro. Ah! Mas não era isto que lhe queria contar; isto foi depois.
(não será a única vez em que se perde)
Falava-lhe da minha fúria; é verdade; ninguém tinha descortinado a doença, nem os meus pais. Deus os proteja pois matei-os ... isto está hoje claro para mim. Espere, não se precipite, não é o que pensa! Verá no fim.
Alguém olha, pois, o algoz é amável, diz-me para continuar. Vou escrevendo. Aliás, foi este impulso da escrita que me perdeu, pelas piores razões dirá.
(preciso descansar; amanhã coloco o que falta, se é que importa)

O outro lado do espelho!

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