(continuação de posts homólogos)
Tenho sido comedido a expor esta carta. As grandes revelações estão para vir e, seguramente, vão fazer estragos. Não sei se terei coragem para tanto. Logo se verá!
Choro! Agarro a carta que comecei e leio-a incrédulo. Seria possível? A afronta foi longe de mais, digo-lhe! Espere, preciso recompor-me ...
(seria o Toino?)
Devem ter passado aí umas duas horas, por certo, quando acordo prostrado no chão da cela. Não fosse o frio do cimento e teria dormido pelo dia dentro. O algoz pode ter olhado, mas enquanto durmo ele descansa. As dores são muitas, vou tentar escrever; tenho de rabiscar o que me vai na alma, não vou desistir! Isso queria ele, desgraçado ...
(penso que se refere ao Carlos e não ao algoz)
Sabe agora que não cometi crime algum. Dizia-lhe que sempre me deixei arrebatar com facilidade, recordo esses episódios vagamente, sobretudo as suas consequências. Lembro-me de me terem acusado de ter morto o gato da minha avó, o que para mim seria impensável já que tinha um pavor tremendo do bicho. As acusações não paravam por aqui, repetiam-se sem aviso prévio. O nosso vizinho do terceiro andar acreditou sempre ter sido eu a furar-lhe os quatro pneus à navalhada; eu, que o ouvia noite fora a insultar a mulher!
Tenho hoje a certeza que ele já me acompanhava nessa altura. Não consigo precisar o dia em que tive consciência disso; talvez no Natal em que perdi todas as prendas, ninguém percebeu, mas por um infeliz acaso a empregada foi encontrar restos de alguns brinquedos por entre as cinzas da lareira. E pensar que fui eu quem mais chorou! A partir daí custava-me imenso adormecer, tinha medo dele.
Releio agora a carta e custa-me saber que o Carlos por aqui passou. Não vou, não posso apagar esta parte da história, sem ela jamais me poderiam compreender.
O Carlos levou-me tudo, a tranquilidade, a dignidade e por fim o afecto. Desde o acidente que a Odete me olhava de forma diferente. A ansiedade era grande, parecia que esperava algo de mim, que me transcendesse. Logo após o acidente fui dar comigo em Madrid. Mais uma branca na minha memória, foi o Carlos certamente que nos levou até lá. A Odete tem uma amiga, uma tal Graça, que nos arranjou guarida. Má escolha, o pouco dinheiro que tinha comigo foi-se com a amiga.
(continuo amanhã, é noite faz tempo!)
A liberdade ali a dois passos ...
O Toino afiança que tirou esta foto no chão da cela, duvido!
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