Henry, de 22 anos, tinha tudo para se considerar feliz. Nascera em Filadélfia no seio de uma família abastada. A sua origem vinha da melhor linhagem inglesa. Um escândalo mundano obrigara um seu antepassado a procurar na América o refúgio que a aristocracia londrina não lhe concedera; perdera-se um lorde mas a guerra da secessão ganhara um herói. Henry era respeitado com a deferência própria de quem tem passado num país recente. O dinheiro ajudava. Os investimentos do bisavô no ramo automóvel permitiam-lhe olhar o futuro com a complacência daqueles que já nada temem. Era um homem livre!
As dores começaram de repente, sem aviso, num crescendo insuportável. Só conseguia estar acordado com o efeito de sedativos. Consultaram-se os melhores médicos e ninguém descortinava a maleita. Foi avisado que em Chicago uma equipa de médicos fazia novas experiências. O líder, professor Hans Schultz de origem vienense, seria a maior autoridade a consultar, o último reduto.
Seriam sete horas da manhã. Chicago tem no Outono uma beleza bucólica; o relvado entra de manso nas margens do lago com reflexos prateados oferecidos pelas ramagens das árvores. O olhar percorreu o perfil do lago até se perder na névoa que repousava no horizonte. Um travo amargo percorreu-lhe o palato terminando numa pequena dor ácida na ponta da língua. Faltou-lhe o ar. A mãe olhou-o e sentiu a nostalgia.
Estava agora deitado. Fizera vários exames, e este, em particular, tinha um desconforto irritante. Não percebia a necessidade desta nova ressonância, e estar imóvel no meio daquele tubo seria o ideal para uma crise de claustrofobia; o ter ficado fechado numa arrecadação por descuido criara nele o pânico por pequenos espaços. Sentiu-se só. Não haveria mais exames, só o diagnóstico soberano.
O veredicto era fatal, a cirurgia necessária teria poucas probabilidades de sucesso, o médico sabia-o. Sabia também que o seu desempenho era aferido pela taxa de sucesso que obtinha nestas intervenções. Não haveria dilema, a operação não se faria.
Henry perdera a liberdade. Sobrava-lhe o carinho da mãe e uma fortuna que haveria de fazer melhores os doentes assistidos pela sua Fundação.
Medico male est, si nemini male est.
Honro com este post a reacção da classe médica ao aumento de vagas para os futuros pares.
A classe não vem de quem dela aufere mas sim de quem dela se priva.
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