Jura
Cheguei à praia com os primeiros raios de sol. A candura da areia batida pelo mar chão ainda era tolerável. Estendi a toalha e olhei demoradamente ao redor. Ninguém, teria por pouco tempo este paraíso só para mim. Deite-me na direcção do mar e deixei-me levar em pensamentos que me assolam quando a tranquilidade é soberana. A suavidade da areia conquistou-me pouco depois e, sem dar por isso, adormeci.
Um olá determinado fez-me regressar à luminosidade. Alguém se dirige para mim. Reconheço-lhe as feições, mas que raio, de onde o conheço? Cumprimentámo-nos e ele, sem ter perguntado, senta-se a meu lado. “Preciso de desabafar, pá!” ao que anuí com um movimento lânguido da cabeça acrescentando, “...aproveita, no estado em que estou posso ouvir tudo, duvido que me surpreendas...”, deitei novamente a cabeça e deixei-o à vontade.
“Sabes, namoro há mais de um ano o que em mim é um feito... um feito! Sinto-me pela primeira vez arrebatado”. Entreabri um olho para lhe fixar a expressão e, ao contrário das palavras, não vislumbrei nenhum rasgo de felicidade, bem pelo contrário, o ar era grave. Preparei-me para sofrer, pois mesmo o desfrutar do paraíso tem o seu preço.
“No início foi um mar de rosas, tudo era perfeito... mas pouco depois soube que ela se interessava por outro... amor mal resolvido, acho... apanhei-a em pequenas mentiras até ter encontrado um post-it esquecido com um telefone e um pequeno coração... uma merda... telefonei, claro, para confirmar a voz masculina... cabrão!”, mantive-me mudo, o cenário só podia piorar, “... mais tarde, não sou parvo, vi-lhe os SMS e lá estavam os do chibo, vários, todos insinuantes, alguns a combinar encontros, outros a recordá-los com paixão... foda-se!”, pensei entrar em coma mas não encontrei nenhum expediente rápido, “... investiguei e descobri que o gajo é de Lisboa, vive na Expo...”, para desanuviar disparei, “também eu, boa zona!”, ele não se ficou, “eu sei, eu sei...”, um arrepio gélido percorreu-me as costas, “... e acreditas que o sacana se encontrava com ela descaradamente em casa a meio do dia, vi-os...”, aqui tive de o interromper, “e abordaste-os?”, “quem, eu, nunca, a vingança serve-se fria, não achas?”, abri novamente os olhos, o olhar dele era penetrante, quase inquisitório, mas não demonstrei qualquer temor.
Os meus pensamentos voavam, quem seria este tipo, eu sou livre e não nego aventuras mas quem seria a gaja, muitas dúvidas sem resposta, tudo isto interrompido pela confissão, “... os gajos começaram a ganhar confiança e ela chegava cada vez mais tarde a casa, às vezes depois da meia-noite, as desculpas eram as mesmas, trabalho e mais trabalho, depois foram os fins-de-semana, um dia resolvi segui-los...”, não aguentei, “... mas aturaste essa merda?”, “aguenta, vais perceber, o gajo tinha um alfa vermelho, o típico carro dos pintas...”, interrompi-o novamente, “mas, espera lá, eu tenho um também...”, “eu sei, eu sei, mas não é isso, é que o gajo levou-a para o Algarve, foram para um SPA, sacanas, e eu fiquei à espera para rebentar com aquela merda toda!”, timidamente perguntei-lhe, “... mas estamos no Algarve, eles estão cá?”, o silêncio parecia agora uma faca aguda que cortava o ar, “... claro, estão nesta praia!”, sentei-me num movimento único como se uma mola me tivesse impulsionado, “porra, o que queres insinuar?”, ele sorriu, “... de quem é essa toalha ao teu lado?”, por momentos senti-me no twilight zone, “... qual toalha, só aqui está a minha!”, ele tornou a sorrir, “... vês, não tens nada a temer!”, senti-me a explodir, “mas de onde nos conhecemos?!”, a gargalhada foi violenta, cheia, como se estivesse à espera deste momento para desfrutar e, levantando-se, concluiu, “... não nos conhecemos, por isso desabafei. Fica bem!”.
Vio-o afastar-se até a silhueta desaparecer no areal, respirei fundo, tentava perceber o que se passara, a Lígia, essa, dormia ainda no hotel, com quem sonharia?
Ela a gozar o prato, ele com cara de enfiado... não, ainda não...
Se os meus amigos fossem semelhantes aos da telenovela Jura, juro que mudava de vida!
Nota 1: a pesquisa da foto da Jura foi educativa. Por incrível que pareça já há blogues com vídeos da telenovela... a pagantes. Deve andar por aí muita gente carente...
Nota 2: não vejo telenovelas, dão-me tédio; na televisão prefiro ver filmes (de livros que ainda não li, o inverso é geralmente doloroso), séries (Sopranos e CSI), telejornais (os da SIC notícias a más horas), debates (o prós e contras), documentários (biográficos, natureza, etc.), comédia (o Jay Leno que adoro), futebol (competições europeias) e algum cinema animado (raro, sou apaixonado por BD). Dispenso igualmente os analistas (Marcelo, Portas, Vitorino, Rogeiro e Sousa Tavares) por não gostar de quem de tudo fala, mas que nem de tudo sabe. Não critico os que gostam de Soaps, não são piores do que eu, mas sou assim. Contudo, não deixei de ver alguns episódios das novelas da moda, Jura e L Show. A primeira por ser um modelo arriscado que, na busca de audiências, retrata uma franja da sociedade a viver a vida pelo desejo. A segunda por apresentar uma visão das mulheres que geralmente está arredada do nosso quotidiano e ser, assim, uma realidade insondável. Gostava de saber o que pensam destas telenovelas, se é que as viram.
Nota 3: e porque o fim-de-semana promete, gatos e cães segundo os anglo-saxões, deixo-vos os Supertramp.