Credos (1)
Antes de abordar a questão sob a perspectiva filosófica, que é o que verdadeiramente me move, é importante fazer uma breve história dos três cultos. Matéria que não se ensina na catequese a bem do reino de Deus; o português é claro.
Tudo começou na Mesopotâmia, berço da civilização. Para os mais distraídos... estou a falar do território iraquiano que fica entre os rios Tigre e Eufrates, e que desaguam no golfo pérsico, hoje mais conhecido pelo petróleo. Aí nasceu Abraão em 1.900 a.c., primeiro modelo das três religiões, embora cada uma faça dele uma interpretação diferente. É referenciado nos livros sagrados, i.e. na Tora judaica, no Alcorão islâmico e na Bíblia cristã. Dizem que viveu 175 anos, razão bastante para justificar a descendência que lhe sucedeu. Dos seus filhos e netos, três ficaram para a história; Ismael, Isaac e Jacob; deles nasceriam os cultos em análise.
JUDAÍSMO
Jacob, mais tarde baptizado Israel por Deus, teve 12 filhos que se instalaram no Egipto e que deram origem a 12 tribos. Judá, o quarto filho, viria a chefiá-las. As tribos seriam escravizadas pelos egípcios, em particular pelo faraó Ramsés II. Moisés, após ter recebido de Deus os 10 mandamentos que dariam origem às 600 leis da Tora, conduziu o povo de Israel para o êxodo indo sediar-se na região do actual estado israelita. Foi aqui que verdadeiramente se iniciou o reino israelita. Seguiram-se as monarquias de Saul, David e Salomão. Sucederam-se mais reis e cisões do território, tendo tudo acabado com a invasão dos assírios, povo do nordeste iraquiano. Terminava o reino de Israel.
O azar estava longe de acabar; os judeus seriam enviados para a Babilónia após esta ter derrotado a Assíria. Acabaram por ser deslocados para a pátria de Abraão por ironia do destino 1.300 anos depois e, para além do exílio, viram o Templo de Salomão ser destruído. Ruíra o primeiro templo judaico.
A tribo de Judá, que deu origem ao termo judeu, viria a ser libertada por Ciro, rei da Pérsia, actual Irão. Este devolveu os judeus ao antigo reino de Judá, local que hoje conhecemos como Palestina, dando-lhes bastante autonomia. Foi construído o segundo templo no local onde existira o templo de Salomão.
Alexandre o Grande, o maior conquistador de todos os tempos, derrotou os persas. Chegou ao trono aos 20 anos e conquistou, a partir da Macedónia, os actuais territórios da Bulgária, Turquia, Iraque, Irão, Líbano, Israel, Egipto, Síria, Afeganistão, Paquistão e uma pequena parcela do norte da Índia. Com a morte por malária aos 33 anos, o império foi dividido entre os seus generais.
Israel viria a ser dominada pelos selêucidas, povo macedónico. A abolição de rituais e tradições judaicas provocou a revolta dos judeus e levou-os à independência sob a liderança de Judas Macabeu. Nesta dinastia de reis e sacerdotes surgiram ramificações do judaísmo; os fariseus que seguiam a lei oral, mais tarde sistematizada no Talmude, os saduceus que só aceitavam a lei escrita, a Tora, e os essénios, minoria ortodoxa. Como a divisão não faz a força e havendo quem quisesse que o reino fosse governado pelos sacerdotes, o país acaba por cair numa guerra civil.
Os ortodoxos pediram auxílio aos romanos e Pompeu, general romano, não se fez rogado e conquistou Israel. O país foi perdendo autonomia até se tornar numa província romana. Ruía o segundo templo. Os judeus acabariam por se tornar escravos ou cidadãos romanos e, entre estes últimos, muitos iriam dispersar-se no império romano. Iniciava-se aqui a diáspora. Tinham-se passados 2.000 anos desde o nascimento de Abraão. Estava-se em 135 d.c. Só voltariam a ter um estado em 1948.
Os judeus acabariam por espalhar-se essencialmente pela Europa, Norte de África e Médio Oriente. Como os católicos não podiam emprestar dinheiro cobrando juros, os judeus tornaram-se rapidamente os banqueiros da Europa sem correrem o risco de serem excomungados. Os lucros obtidos permitiram-lhes angariar muito património, o que levou a que as suas propriedades fossem usualmente confiscadas pelos reis; dizia-se que os judeus eram propriedade dos reis, servi cameræ.
O poder dos judeus fez com que fossem odiados e frequentemente massacrados, tendo esta tragédia atingido o seu auge durante as cruzadas, séculos XI a XIII. Seguiu-se a expulsão dos Judeus de Inglaterra, França e Áustria. No século XV a inquisição espanhola continuaria a perseguição, repetindo-se o episódio em Portugal e na Sicília. No século XVII os judeus estavam praticamente banidos da Europa.
A invasão da Polónia pelos cossacos, actuais ucranianos, dizimou centenas de milhares de judeus. Por outro lado, a grande guerra do Norte acabou com o império sueco. Estes dois acontecimentos fizeram regressar muitos judeus à Europa ocidental. Surgiu o movimento Haskalá que fez crescer o estudo da história judaica e do hebreu, e a vontade de emancipação. Espalhou as sementes do Sionismo que reivindica o direito ao território palestiniano e a assimilação cultural dos países em que os judeus residam. Por oposição, apareceu um movimento contrário, o hassídico, com uma aproximação mística da religião. Estes dois movimentos e a visão ortodoxa original do judaísmo são a base das correntes judaicas actuais.
Napoleão foi o primeiro a acabar com os guetos judaicos, sendo copiado pelos restantes países europeus à excepção da Rússia. No século XVIII os judeus estavam emancipados na Europa. Com a integração dos judeus surgiu o anti-semitismo na convicção da superioridade da raça ariana. França, Alemanha e o império Austro-Húngaro estiveram na génese destes movimentos.
Theodor Herzl, escritor e jornalista, funda o movimento Sionista no final do século XIX. Iniciavam-se, assim, as actividades políticas e diplomáticas para a formação do estado de Israel. Herzl acreditava num estado em que coabitassem judeus, árabes e cristãos, e que o poder financeiro e experiência dos judeus transformaria esta zona do terceiro mundo num país evoluído.
A continuada integração dos judeus na Europa culminou no envolvimento destes na 1ª guerra mundial onde combateram pelos países que os acolheram. Nesta altura a Palestina tinha, segundo o census de 1922, 589.200 muçulmanos, 83.800 judeus, 71.500 cristãos e 7,600 pessoas de outros cultos. O movimento sionista incentivou a emigração dos judeus para a Palestina com a forte oposição dos árabes que receavam a criação de um estado judaico. Sob o comando de Amin al-Husayni, os árabes palestinianos começaram a atacar as forças britânicas e a comunidade judaica. Em 1936 iniciou-se a grande revolta árabe que durou 3 anos. Husseini liderou o partido nacionalista radical Hizb al-Istiqlal e, mais tarde, aderiu ao nacional-socialismo, vindo a colaborar na Alemanha com as SS. Regressarei a este personagem quando abordar o islamismo. Os ataques dos árabes aos judeus provocaram a criação de milícias judaicas, confirmaram ainda que a coabitação seria impossível havendo a necessidade da divisão territorial, e obrigaram os ingleses a restringir a emigração judaica. No entanto, com a revolta árabe os judeus passaram a colaborar com forças especiais inglesas.
O anti-semitismo europeu continuava e atingiu o seu apogeu na 2ª guerra mundial com o holocausto. Milhões de judeus foram dizimados.
A dívida da humanidade para com os judeus era evidente. No novo mapa-mundo e por decisão da ONU, os ingleses foram mandatados para administrar a Palestina. No entanto, em 1947, decidiram retirar-se quando acabasse o mandato por serem incapazes de controlar a violência crescente entre judeus e árabes e, igualmente, contra interesses britânicos. Assim, a assembleia geral da ONU aprovou a divisão do país, 55% para os judeus e o restante para os árabes. Jerusalém seria uma zona controlada pela ONU para evitar conflitos. David Ben-Gurion, socialista, líder do movimento do Sionismo Trabalhista, aceitou a divisão mas a Liga Árabe rejeitou-a. A violência contra os judeus recrudesceu a partir desse dia, tendo culminado com ataques a cidades judaicas e com o corte da estrada de Telavive a Jerusalém. Três meses depois as forças israelitas provaram ser militarmente mais fortes e contra-atacaram cidades e povoações árabes, em particular as que controlavam estradas para povoações judaicas isoladas. Em 12 de Maio de 1948 os americanos pressionaram os judeus a declarar tréguas ou a proclamar o estado judaico. Dois dias depois, na véspera do termo do mandato inglês, foi difundida a partir de Telavive a declaração de independência israelita.
No dia seguinte Israel seria invadida pelos países vizinhos, apoiados por voluntários da Líbia, Iémen e Arábia Saudita. Começava a guerra da independência. O presidente da Liga Árabe enviou ao presidente da ONU uma declaração em que os estados árabes proclamavam a sua intenção de criar um estado unificado palestiniano, renegando a possibilidade da existência de dois estados como fora idealizado pela ONU. Disse ainda, “esta será uma guerra de exterminação e um massacre monumental que será tão falado como o são os massacres dos mongóis e as cruzadas”. Os EUA, União Soviética e Israel acusaram os árabes de uma invasão ilegal, enquanto a China apoiou os interesses da Liga Árabe. Trygve Lie, norueguês e presidente da ONU, afirmou: “trata-se da primeira agressão armada a que o mundo assiste desde a 2ª guerra mundial”. Montgomery, comandante das forças aliadas no Norte de África, estimou que as forças israelitas não resistiriam 2 semanas à superioridade bélica dos árabes. Contudo, os israelitas ganharam vantagem com a emigração massiva que se iniciou com o conflito, mais de 10.000 pessoas por mês, e ainda com a consolidação da força aérea. O conflito só terminou com a vitória israelita, que conquistou 50% de território a mais do que o inicialmente previsto pela ONU, levando à assinatura do armistício em 1949.
<<< CONTINUA - no próximo post deste tema terminarei o Judaísmo e iniciarei o Islamismo. >>>
Moisés, pintura de Rembrandt
KARAOKE
The Clock,Thom Yorke
Time is running out for us
But you just move the hands upon the clock
You throw coins in the wishing well
For us
You just move your hands upon the wall
It comes to you begging you to stop
Wake up
But you just move your hands upon the clock
Throw coins in the wishing well
For us
You make believe that you are still in charge