Fui hoje ao hospital e encontrei este texto perdido, de tão extraordinário não resisti a publicá-lo.Levei a mão à testa para confirmar. Claro, o calor e agora o suor, mais uma gripe estival. Procurei o interruptor; que chatice, estava sempre onde não devia estar. A luz irrompeu de pronto e no meio do clarão adivinhei a gaveta, mesmo ali, guardiã de remédios sábios e de outros menos estudados. A caixa azul surgiu no meio de outras tantas, todas usadas, todas testadas. Senti uma dor forte como se a garganta se fechasse para o negar. Bastou-me um golo mais, agora sim, bastava esperar. Fechei a luz automaticamente e deixei a mão agarrada ao interruptor, como se na escuridão precisasse de uma segurança disponível que se mostrasse lesta aos meus medos.
O turbilhão aproximou-se do tecto, sim, recordo-me bem. Primeiro foi a cama e logo depois senti-me também eu a rodopiar. A força que me empurrava para baixo era tremenda, assustadoramente decidida, não a conseguia estancar e quando me preparava para iluminar o pesadelo senti o interruptor a saltar-me da mão. Todo eu rodava numa dança sem parceiro, e num movimento só projectei-me no centro da tempestade, a queda superou a vertigem, sempre, sempre em queda, sempre, a queda...
A pancada seca acordou-me, sentia-me dorido mas diferente, incrivelmente diferente. A dor não era desconfortável, parecia que era esperada e agora eu aceitava-a. Recordei a queda que dei em menino, no susto que os meus pais apanharam quando me viram todo arranhado. Um filho único tem atenções que nem mesmo ele percebe.
A dor corria agora do peito até às coxas, sim, seria o tronco o mais afectado. Procurei a dor com a mão tacteando primeiro o peito. Um arrepio percorreu-me a coluna, só poderia ser sonho, delirava. As mãos torneavam uns seios perfeitos, demasiado perfeitos para serem reais . Sonhava portanto e descansei com a evidência. Sorri, iria tirar partido da aberração, seria mulher por um sonho apenas, como seria fácil percebê-las, sentir onde elas sentem, pensar como elas pensam; fantástico, iria conhecer a outra margem sem medo, sem juízos ou acusações.
Continuei a percorrer o peito, primeiro à descoberta e depois com mais determinação. E se primeiro tacteava, usava agora as mãos para acariciar o que só antes imaginara. O ardor aumentava com movimentos mais ousados, sentia o corpo a pedir domínio; o peito, esse, latejava à medida que os dedos comprimiam os pequenos mamilos que em resposta imediata se erguiam determinados à procura de mais, no desejo de tudo. Deixei uma mão no peito e lancei a outra à descoberta do que me faltava, sentir-me completa, mulher.
O estômago era perfeito, os abdominais desenhavam aí diagonais salientes e simétricas . Os dedos mal tocavam a pele, só sobrava o arrepio. Parei, senti um tufo em que me emaranhava e que me pedia força e o contrário. Pressionei, apoiei a mão e deixei-a comprimir numa sequência ritmada pelo desejo. Qual cobra que muda de pele, um dos dedos libertou-se para descer mais ainda, a descoberta estava por consumar.
Arqueei o corpo, primeiro por estranhar o toque, depois pelo fogo que me percorreu de imediato como nunca tinha experimentado. Senti a boca ácida, a respiração mudara e o corpo estava agora mais quente. A vontade era muita, não queria parar e aquele dedo não iria falhar.
A vertigem voltava no meio do desejo e do prazer. O turbilhão era agora mais violento e empurrava-me para cima. Levitei como um pião que salta do chão para ganhar velocidade. "Consegue ouvir-me, Pedro?". As palavras soavam longe mas aproximavam-se vertiginosamente.
"Pedro, correu tudo bem!". Uma mão segurava a minha, sem dúvida uma mão amiga pelo cuidado com que me agarrava. Entreabri os olhos e antevi silhuetas conhecidas na luz que agora conquistava. Primeiro a mãe, depois o pai. Ambos sorriam, não muito é certo, um sorriso sofrido mas solidário. "O que correu bem?", perguntei. Um homem de bata branca aproximou-se e, colocando uma mão no meu ombro, tranquilizou-me, "Tudo, Pedro, tudo! Agora já lhe podem chamar Ana, parabéns!"
Estou como o bebé, pasmo!Nota: Um post polémico obriga a comentários mordazes!