segunda-feira, dezembro 08, 2003

Esgotamento

Tive hoje um pesadelo. Estava eu refastelado no sofá quando, ao fim de quatro latas de coca-light, vejo surgir no pequeno ecrã o professor Marcelo Rebelo de Sousa. Nada de anormal até aqui não fosse o facto de estar a ver a CNN. Pousei o pacote de batatas fritas e limpei as mãos à t-shirt. Endireitei-me num único movimento, aproveitando o pouco atrito que o forro de cabedal oferecia.
O professor rejubilava. O inglês, recordo-me, não era o seu forte. “Lets talk about politics”; discorreu sobre o Médio Oriente, falou sobre a convenção dos Democratas na Florida e impressionou tudo e todos quando comparou NY à Expo 98. Michael Bloomberg quer utilizar um paquete no porto de Nova Iorque para hospedar os republicanos na convenção de nomeação de candidatos. Marcelo alertou para os perigos desta escolha, “remember Portuguese case”. Quanto à opção de Bush não liberalizar as tarifas sobre o aço, fez uma pausa, sorriu, e acrescentou , passo a citar, “Old continent is still there giving cards as we can see”. Ia falando a uma cadência vertiginosa sobre diversos temas avulsos da política internacional, sem dar tempo à pivot e ao outro convidado de intervir. Ao rever a emissão contei 25 referências só neste tema, e tudo dito em apenas 8 míseros minutos.
“This week dollar offered me a gift”; chegara o momento de se falar em enconomia. A baixa do dólar face ao euro permitira-lhe comprar uma boa prenda de Natal para o neto Francisco só com a diferença cambial. Seguiu-se uma lição sobre o euro. Foram sete os temas abordados e ele parecia dominar os assuntos.
“And now technology”, aqui perdeu algum tempo a explicar que os operadores de telecomunicações iriam cortar nos preços dos serviços para a Internet. A referência a Portugal não tardou, "Portuguese telcos saw broadband as a commodity". A pivot ria-se agora com o som em off, enquanto o outro convidado apresentava um ar sério e grave.
Marcelo pegou num livro enquanto a câmara fazia um grande plano. Estariam cerca de 50 livros empilhados ao seu lado. A todos fez menção sem esquecer os autores, as editoras e a língua da respectiva edição. No fim parou, revirou os olhos e, com a mão em invectiva, colapsou! A emissão saiu do ar com a maior audiência de sempre. Orson Wells seria esquecido.
Acordei sobressaltado, afinal eu não era o americano balofo que sonhara.

Estou aqui para vos dar a mão ... (foram as suas últimas palavras percebidas)

Marcelo Rebelo de Sousa (adjectivo superlativo absoluto): (filos.) epistemologia; (relig.) milagre; (medic.) fenómeno; (quím.) osmose; (fís.) infinito; (hist.) memória; (lit.) superficial; (media) audiência; (polít.) apagão.

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