sexta-feira, outubro 27, 2006

Fazer Portugal

PRÓLOGO: Este não é um post fácil. A dificuldade prende-se com a distância crítica necessária à análise certa. Em política reage-se muito mais por emoção do que pela razão, sendo certo que poucos dominam as matérias que nos influenciam no dia-a-dia. E não falo só da população em geral, mas também dos políticos profissionais e, em particular, dos Media. Reagimos em função da informação disponível que nunca é completa nem precisa. Esta situação produz a maior manipulação, a especulação, que, não sendo intencional, enviesa a realidade e fornece solo fértil para o equívoco, para o erro na tomada de decisão.
Vivemos tempos difíceis. Não só em Portugal, mas num mundo em que a urgência de respostas a questões globais nos desvia dos ideais, da asserção dos valores que nos deviam guiar para um mundo melhor. Os problemas são elementares; fome, desemprego, violência, epidemias e defesa de direitos fundamentais. Importantes, mas elementares. Portugal não foge à regra e atravessa uma reforma profunda. Um processo técnico onde a evidência justifica a mudança, mas que não faz de nós pessoas melhores, antes portugueses com mais igualdade. Muitos dirão que sem pão não haverá fé, concordo, mas sei que sem fé não haverá futuro. Olhemos pois para o presente para adivinhar o futuro.

CONTEXTO: Não há desculpa que sobreviva ao tempo, contudo podemo-nos queixar do passado recente. Herdámos o proteccionismo saloio de um beirão tacanho. Perdemos um império e desgastámo-nos na conquista da liberdade, na procura da estabilidade social e na luta contra o analfabetismo. O país de hoje nada tem que ver com o de há 30 anos; temos um lugar diferente no mundo, um povo mais instruído e maior riqueza. Contudo fez-se ainda pouco, sentem-se as limitações de um país que tarda em afirmar-se.
Se mérito houvesse a reconhecer a este governo, o primeiro seria o de ter colocado o país a discutir Portugal. Não há sector que não seja falado e que não se sinta ter de ser alterado; assembleia da república, ministérios, institutos públicos, autarquias, tribunais, ministério público, forças armadas, forças policiais, hospitais, centros de saúde, escolas, liceus, universidades, ordenamento territorial, obras públicas, protecção civil, banca, media, turismo, sectores automóvel, mobiliário, têxtil, agrícola, etc. Tudo parece mal quando se fala dos outros, todos resistem à mudança quando se fala deles. As incoerências reflectem bem o medo do novo, do desconhecido, da perda de direitos controversos mas dos quais ninguém abdica. O homem é por natureza egoísta e nós não somos diferentes dos outros. Depois vem o pessimismo, esse fado que nos persegue nos maus e bons momentos. Adoramos o trágico, ocasião que nos desperta para a solidariedade. Não estamos moldados para o sucesso, desconhecemos a cultura do poder. Esta falta de ambição e liderança entre os melhores faz com que outros menos preparados nos ditem a nossa sorte. Se no poder central e nas grandes empresas encontramos alguma selecção, já nas autarquias e nas PME reina a mediocridade. E o drama não se prende só com as qualificações dos funcionários, mas sobretudo com a falta de visão e rigor das lideranças. Sabendo-se que a nossa economia é no fundamental o somatório destas actividades de baixo valor, percebe-se o que de muito há a fazer. Felizmente que a comunhão com a Comunidade Europeia produziu alguma osmose, mas não a bastante para nos aproximarmos dos melhores com a celeridade desejada. Depois vem a constante desresponsabilização, a noção de que um compromisso pode ser protelado. Vale-nos o desenrascanço, falhanço completo no planeamento a que chamamos virtude. Contudo não somos os piores, há quem minta para encobrir o insucesso ou ampliar o bom desempenho, basta-nos viajar pela Grécia e Irlanda para inferir outras razões.

CONCLUSÃO: Conhecemo-nos hoje melhor. Somos ainda um povo socialmente iletrado com exaltação dos direitos e sem a devida percepção dos deveres. Temos de mudar de atitude. O país precisa de humildade, trabalho, sacrifício e muita vontade de vencer. Não temos desculpa!


Temos de cantar de galo, mas primeiro precisamos de argumentos!


Flyer: Para quem teve paciência para ler o texto, deixo aqui esta prenda. Façam o download, vale muito a pena!

11 comentários:

rui disse...

Olá, João mãos de tesoura
Já vi que defendes as tuas causas com muito ardor e, não te coíbes de dar umas valentes tesouradas em todos nós.
Gostei da frase”Não estamos moldados para o sucesso, desconhecemos a cultura do poder.”
Concluíste de forma realista. Precisamos de vozes assim para nos despertar.
Bom fim-de-semana
Um braço deste lado do Atlântico

Andreia disse...

Passei para desejar um bom fim de semana!

Cucagaio disse...

Cantar de Galo é o que todo o portuga costuma fazer. Temos de fazer exactamente de fazer o contrário, aprender a estar calados e observar, só assim se aprende.

Thiago Forrest Gump disse...

Este post poderia ser lido hoje no debate! Talvez os presidenciáveis atentassem à realidade política que envolverá o país até 2010.

Domingo o Brasil conhece o futuro...

João Mãos de Tesoura disse...

rui: vivi vários meses no Funchal. Adoro a Madeira que, como os Açores, complementam a nossa diversidade. Vocês são bem um caso de sucesso, colocaram-se na terceira posição de riqueza nacional após as zonas da grande Lisboa e do Algarve. Não discuto a eleição legítima do vosso presidente regional, da obra feita e do crescimento evidente, mas discuto o estilo e a oportunidade. Estamos em tempo de solidariedade no sacrifício e a Madeira tem muitas razões para dar o exemplo!
Quando a defender causas, penso que podemos falar com paixão sem perder a razão.
Abraço do Continente

andreia: Outro para ti!

cucagaio: meu caro, é isso mesmo que o texto sublinha. O comentário à foto, esse, exaltava a necessiade de nos afirmarmos. Pelo sim e pelo não, acrescentei à frase uma ideia para não criar dúvidas.

thiago: o Brasil, tal como Portugal, necessita de se afirmar. Temos escalas e problemas distintos, mas ambos necessitamos de ser mais credíveis. o Brasil ganha-nos claramente no orgulho da Nação, mas também não perderam um império! ;)
Que no domingo ganhe o melhor para o futuro do Brasil!

Alberto Oliveira disse...

Este não é um comentário fácil.Porque pretende ser sintético e talvez não o seja...
As reformas deste governo (de qualquer governo) cairão em saco roto porque o país já teve tempo de sobra para copiar maus exemplos de desgovernos ao longo de uma trintena de anos. A justiça e a educação, pilares básicos de qualquer estado democrático, são o exemplo concreto do que afirmo e não sou -infelizmente, o primeiro nem o último a fazê-lo; não basta fazer reformas ou leis. É preciso fazê-las cumprir. E nesta altura do campeonato ´muito pouca gente está interessada em fazê-lo. Não é fácil mudar mentalidades moldadas em "encolher de ombros" sucessivos", na não participação na vida cívica ao longo de anos. E a prova disso está à vista desarmada: a classe política não se renovou; pelo contrário, mantém-se agarrada ao poder com unhas e dentes.
Antes de se ser positivo, há que ser racional e objectivo. Portugal é mesmo o país da cauda da Europa e é bom que não se escamoteie esta dura realidade com palavras de circunstância. Ainda não ouvi nenhum político dizer isto tão abertamente. Depois talvez sim; talvez se possa iniciar um duro caminho. Que passa por varrer a casa. De apitos dourados, casas pias, "corrupçõezinhas" autárquicas, etc, etc,.

Abraços.

Anónimo disse...

Olá, João!
Esta é uma análise que no mínimo deve ser partilhada por qualquer cidadão deste país que seja responsável.
Com reformas ou meias reformas, há uma expectativa de mudança.
A ver vamos...
Um grande abraço!

Thiago Forrest Gump disse...

O mundo inveja a nossa Amazônia! E os incompetentes não governam para protegê-la! Fica evidente que o descaso dos políticos não é só corrupção! Aqui é fraqueza mesmo!

Domingo vamos ver...

Thiago Forrest Gump disse...

Meu comentário anterior tem razão: debateram ontem sobre a mata Amazônica como se fosse um quintal!

ffbasblanbjdsand.and

João Mãos de Tesoura disse...

legível: estamos na cauda da europa, de facto, mas não seremos os últimos da cauda. Temos bons e maus políticos, um pouco expressão do portugueses que os elegem! ;) Para renovar os políticos é necessário renovar o povo, torná-lo mais exigente consigo próprio e com os outros. Há processos lentos, este será mais um!
Abraço

thiago: a Amazónia é de facto ambicionada por oportunistas de todo o lado, mas quem a corta são brasileiros... infelizmente! Sei que há corajosos que se opõem e que morrem por isso! Um problema complexo!
Abraço

Anónimo disse...

Oh meus deuses, homem !
Onde é que tu tens andado toda a minha vida ??? Escreveste de uma forma clara e até mesmo concisa praticamente tudo o que eu tenho defendido desde que me lembro.
Brilhante !
É claro que podia "achegar-me" ainda mais, mas hoje não. Quero "gozar" este momento :-)
(desculpa o entusiasmo... não te assustes que não é grave )