quinta-feira, setembro 28, 2006

Manifesto

Teve lugar há poucos dias no convento do Beato a segunda convenção do Compromisso Portugal (da primeira já falei em momento oportuno por duas vezes). Oradores e audiência foram criteriosamente escolhidos entre empresários e gestores das maiores empresas portuguesas ou com representação em Portugal. O objectivo era claro, identificar problemas e propor soluções para vários sectores estratégicos da economia. Até aqui nada demais, podemos mesmo afirmar que a iniciativa é louvável. Meritório o espírito, mas não a agenda da iniciativa se a escalpelizarmos.

A sobranceria, quase de cátedra, evidenciou-se na postura assumida pelos promotores. Que a economia portuguesa atravessa uma crise é um dado adquirido, que sucessivos governos falharam na contenção da dívida pública é assumir uma fatalidade endógena, mas admitir que temos uma classe empresarial esclarecida, isso, meus amigos, só em cantigas de escárnio e maldizer. Estes empresários sobreviveram com proteccionismo na pré e pós revolução, e os gestores não passam de técnicos bem pagos sem maior visão do mundo do que a da sua especialidade. Faltou cultura, homens de grande sabedoria, daqueles em que as palavras fazem sentido e tocam o coração. Falou-se dos destinos da nação mas não da razão de crescermos com a nossa diferença, falou-se na sustentabilidade económica sem a visão da componente social, falou-se muito e concluiu-se pouco, nada que um livro de economia não esclarecesse muito antes da bibliografia. Para estes iluminados a criação de valor resume-se ao capital e estão assustados, naturalmente, com a viabilidade económica das suas sociedades. O móbil não se esgota na flexibilização do Estado, pois a concorrência internacional também tem de lidar com o mesmo imobilismo, mas sim na criação de condições de preferência que os diferenciem, não tanto pelo potencial mas sim pela sobrevivência.

Entramos aqui na agenda escondida, no potencial de algumas propostas. A Segurança Social representa 160 mil milhões de euros ao valor actual para o período de 20 anos; a banca sabe-o, as seguradoras também. A privatização não é ingénua, mas levantam-se duas questões. A primeira, económica, prende-se com o melhor desempenho do fundo de pensões do Estado do que os da Banca, um facto. A segunda, social, resume-se em assumir que o rendimento futuro dos pensionistas será incerto, dependendo da performance dos fundos que tiverem subscrito. O espanto, no entanto, é a proposta encontrada para viabilizar a transição do sistema, emissão de dívida pública. Eles, que acusam o Estado de ter um défice excessivo, propõem um maior endividamento das finanças públicas. Paradoxal!
Na educação e na saúde, sectores que empregam mais de 500.000 funcionários dos 740.000 da função pública, propõe-se o mesmo modelo, a privatização! Tudo é feito em nome do capital, mais do que na eficiência e eficácia social, objectivo último destes sectores. Sabemos que há ensino privado superior ao estatal, mas sabemos também quanto custa. O mesmo se aplica à saúde. Economistas e gestores não podiam ir mais além, falta-lhes entender a dimensão dos bens que não são fiduciários. Para estes senhores a função do Estado esgota-se nos papéis de regulador, auditor e pagador, ficando a privada com a “chatice” de garantir a prestação de serviços.
Mas nem tudo o que se disse é incongruente. Na verdade, pagamos demasiado para a qualidade dos serviços que o Estado presta. É fundamental reformar, introduzir práticas de gestão científica (planeamento e controlo financeiro rigorosos, metodologias de qualidade, compromissos de nível de serviço com o cidadão, etc.) e garantir quadros de excelência (com empowerment dos funcionários, o que obriga a formação, melhoria do clima organizacional e melhor relação com o cidadão). Mas estas são questões operacionais, a estratégia, essa, vive de ideologias.

O que está em discussão é a escolha entre os modelos neoliberal, social-democrata ou liberal social.

O Compromisso Portugal defende o primeiro. Valoriza a competição entre as pessoas e a possibilidade de todos venderem o que produzem num mercado o mais amplo possível. No neoliberalismo é a sociedade que decide o seu nível de consumo e, também, de poupança para a velhice. Cabe à família a preocupação com a sua saúde e o ensino, escolhendo os seus próprios médicos ou os professores dos seus filhos. O corolário assenta na concorrência económica à escala mundial como elemento regulador e promotor de eficiência. Não acredito neste modelo, falta-lhe a regulação social o que levará, independentemente da riqueza da nação, a maior desigualdade ou a situações de exclusão social. Na verdade, não se prevê a solidariedade e a subsidiariedade, acreditando-se que a criação de valor cria riqueza de per si fazendo com que toda a sociedade evolua. Sabemos pelos países que a praticam que não é assim. Há, para mim, um princípio profundamente errado, o de qualquer um ser livre de enriquecer legitimamente e ilimitadamente, mas sem obrigação social maior do que o pagamento de impostos a que todos estão sujeitos. Este factor gera desigualdades mas move as economias, é um facto, mas não é um sistema justo.

O segundo modelo, a social-democracia, é no fundo o sistema vigente. Tem na democracia o seu valor maior, visão da sociedade comunitária, e defende o direito moral da maioria para regular tudo e todos. De facto, esta corrente veio de marxistas que acreditavam na mudança sem revoluções através de uma evolução democrática. Defendiam uma reforma legislativa gradual do sistema capitalista de modo a torná-lo mais igualitário, visando geralmente uma sociedade socialista. Note-se que este princípio está consagrado na nossa Constituição, não tanto no espírito social-democrata mas mais na negação da propriedade privada, fruto do período revolucionário que se viveu e do peso político dos socialistas e comunistas. Sabemos que este modelo está também em ruptura, pois a noção do Estado Previdência é um idílio impraticável.

O último modelo, o liberalismo social, tem na liberdade individual o objectivo central, mas ao contrário do neoliberalismo, para o qual a liberdade é a inexistência de compulsão e coerção nas relações entre os indivíduos, defende que a falta de oportunidades de emprego, educação, saúde, etc., podem ser tão prejudiciais para a liberdade como a compulsão e coerção. É por isto que os liberais sociais estão entre os maiores defensores dos direitos humanos e das liberdades civis, embora combinando esta vertente com o apoio a uma economia em que o Estado desempenha essencialmente um papel de regulador e , igualmente, de garantidor de que todos têm acesso, independentemente da sua capacidade económica, aos serviços públicos que asseguram os direitos sociais considerados fundamentais. Este é o modelo que defendo e que me separa do Compromisso Portugal. A Saúde e a Educação, tal como a Justiça, são direitos sociais fundamentais. Podem promover-se modelos de concorrência entre Estado e privados, mas não se pode aceitar a demissão do primeiro na sua obrigação social.

Em conclusão, mais do que palavras o País precisa de iniciativas, de empresários que arrisquem o seu capital, de gestores que assumam risco, de inovação esclarecida, de preocupações sociais que não se esgotem no assistencialismo, de uma sociedade preocupada e organizada, de uma visão para o futuro. Onde queremos estar daqui a 10 anos? O que precisamos fazer? Como o vamos fazer? Será que alguém já pensou nisto de forma integrada obrigando-se a pactos políticos, económicos e sociais? Queremos um País ou um mero mercado económico na Comunidade Europeia? Haja homens e mulheres com vontade!





Para desanuviar do texto, deixo-vos o mar!

10 comentários:

UMA disse...

Què placer pasar por aquì.
Mis besos dejo para usted,João Mãos de Tesoura !

Poemas e Cotidiano disse...

Oi Joao,
Obrigada por passar pelo meu Blog e deixar suas palavras.
Somos do mesmo signo: Gemeos!
Abracos
MARY

Periférico disse...

A falta de vontade, a inércia e o comodismo reinantes neste país contribuem, sem sombra de dúvida, para o estado a que se chegou, concordo quando dizes:
Haja homens e mulheres com vontade!

Um abraço

Andreia disse...

Logo que fizessem as coisas como deve ser... Mas parece que cada vez estamos pior.

Anónimo disse...

somos por natureza um povo do "deixa andar", todos falam mas ninguem se mexe. Vais levar muito tempo até que as coisas mudem de verdade. Por mais que nao queiramos, acabamos por educar assim os nossos filhos.
Viva os empreendedores!!!
xau

Anónimo disse...

Ontem ouvi em directo o princípio e o fim da transmissão do debate mensal com o Governo sobre segurança social, e ficaram na memória algumas palavras que me pareceram de extrema importância e que partilho convosco:
Insolente, Falácias, Enganador, não é honesto, embuste ...

Isto já para não referir que o nosso Prime Minister respondia a muitas das interpelações da oposição com excertos do discusro de abertura (do género o que você está a dizer não interessa, ouçam o que tenho para vos dizer ...), que o tijolo da Esquerda já cansa de tanto bater no ceguinho (entenda-se o português...), o que se põe em bico dos pés para apregoar as virtudes que não foram implementadas nas legislaturas em que o seu partido governou...

Como o debate já ia longo, começou pelas 15 e já eram 17h20 (quando voltei a ligar o rádio parecia que tinha estado sempre a ouvir), a rádio em questão interrompeu a emissão pois ia começar um jogo da champions ...

O que fiquei a saber: que a Seg Social tem melhor performance que os fundos, que os fundos são constituídos por obrigações e acções, que a bolsa é um jogo, que 1/3 em fundos é o mesmo que não saber quanto se vai receber quando a ele tivermos direito, que os políticos não querem resolver os problemas, que o desemprego desceu 0,7 no 1º semestre (pudera, não recebem subsídio para ficar em casa a coçar o que lhes apetecer também não vão aos centros de emprego)...

Não fiquei a saber realmente quais as medidas para que um dia, ao reformar-me, tenha direito ao retorno do invetimento que mensalmente faço contra a minha vontade ... isto se algum dia me deixarem escolher o que fazer dos meus dias.

Thiago Forrest Gump disse...

Por coincidência, hoje é o debate dos candidatos à Presidência na rede Globo. Fala-se muito em democracia por aqui. Em pilantragem também. O Marcola tem razão! A burocracia estúpida aliada ao estado quebrado traduzem o resultado da nação. Dizem que o Brasil é um país de democracia. Não sei muito de Portugal mas por aqui o discurso que mais se escuta é este.

Há outro também: de que a ditadura pode voltar, mais cedo ou mais tarde porque com o domínio da violência e dos ladrões no congresso, é possível que mais cedo ou mais tarde haja um novo golpe de Estado.

... e o ano que vem tem os jogos pam americanos na cidade maravilhosa. É com isto que se preocupam. :/

João Mãos de Tesoura disse...

rubia: volta sempre, a Argentina é sempre benvinda!
Besitos

Mary: somos mesmo, andaste a vasculhar o meu perfil! lol
Fui ver o teu, vives em Cincinnati, EUA; embora longe, Maria, estás perto, nada como a net! Volta sempre,
Beijos

periférico: nem mais, inércia deve ser o nosso fado!
Abraço

andreia: penso que estamos mal, mas não tanto como se apregoa!
O que é preciso é iniciativa de todos nós.
Beijos

thalie: sem empreendedores, sejam eles actuais ou novos empresários, não há crescimento!
Beijos (xau é muito definitivo)

jack: se te deixassem fazer o que quisesses com o teu capital poderias ter sorte se a vida te corresse bem e se as aplicações fossem as correctas, mas se a vida não te sorrisse gostarias que os outros te ajudassem. Esse é o princípio da subsidiariedade. Admito que parte do capital possa ser aplicado com risco, mas não todo para os que menos têm terem possibilidade de apoio.
Beijos

thiago: espero que o Lula, que tudo indica vai ganhar as eleições, tenha coragem para as reformas duras! Caso contrário acredito na tua previsão, no regresso dos militares.
Abraço

Anónimo disse...

O que assusta não é saber que dificilmente vamos receber algo, mas sim se algum dia conseguiremos atingir a idade para tal (agora 65, depois 70) ...

João Mãos de Tesoura disse...

jack: nem mais!