sexta-feira, julho 15, 2005

Carta aberta

Um comentário meu no blogue da minha amiga Gotinha originou uma sequência de posts e comentários que me obrigaram a resposta. Deixo-vos esta, a última, por resumir o que penso da nação. Vale o que vale, mas é o que sinto. E como refere a dedicatória que o Vizinho dedica à Gotinha, We'll rock you!



Caro Vizinho

Antes de mais, relaxa, pois a minha reposta é, e será sempre, assertiva.
Compreendo a tua raiva, fácil de explicar aliás. Fazes-me recordar todos aqueles que são contra a pena de morte, mas quando confrontados com violência num familiar seriam capazes de estrangular o facínora com as próprias mãos. É humano, caro Vizinho, mas não é racional.
Não me viste escrever que gostava do Sócrates, aliás, disse que nunca votei nele nem no partido dele e que entendia que ele estava mal rodeado, basta ver a quantidade de políticos encartados do governo Guterres que o acompanham, e os outros que ocupam a bancada socialista no parlamento. Não, eu não estou equivocado, caro Vizinho, o que é necessário, contudo, é alguma lucidez.
Assim, vamos por partes. Para aferirmos o dia de hoje é necessário olharmos para pelo menos 50 anos de história, isto é, 5 gerações que determinaram o passado recente de um País. Olharmos mais para trás seria tentarmos cobrar uma herança de um parente que nunca conhecemos.

Começo pelo Salazar. Se Portugal lhe deve 5 anos de crescimento económico e a cobardia de evitarmos a segunda guerra mundial à custa do sangue de outros, ficou-lhe a nação credora de um povo iletrado e pobre, de um império longe da Pátria e dos autóctones, de uma ditadura silenciada pela Igreja e monopólios. Atraso imenso este que herdámos, e não vale a pena encontrarmos razões ideológicas ou conjunturais para justificarmos o impensável. Houve inocentes mortos, pobres esquecidos e regalias injustificáveis!

Depois disso veio a revolução, tão branda como o sangue que nos corre nas veias, mas sentida no desejo de mudança de um povo que via os seus morrerem por causas que não entendia. E as mudanças, mesmo as brandas, fazem-se sempre com sofrimento, pois se uns perdem regalias, outros ganham-nas sem mérito. E se um Portugal, grande, imenso, se perdera por todos os mares na diáspora corajosa, ficara agora reduzido a um quintal no fundo de uma Europa que não o conhecia e que não lhe dava grande crédito.
O sabor da liberdade era imenso, mas o que outrora fora um duplex era agora um mísero T1 numa Europa que ocupava grande parte do prédio. Nas colónias foi o que se viu por nossa herança; os herdeiros, esses, foram piores do que os ocupantes pois a emoção foi sempre cega.
Seguiram-se déspotas (Otelo Saraiiva de Carvalho, Vasco Gonçalves, Vasco Cunhal, e tantos outros) a tentar a oportunidade e homens lúcidos (Sá Carneiro, Mário Soares, Nobre da Costa, etc.), mas nenhum, nenhum, com sentido de Estado a longo prazo. Deixaram-nos os cofres desbaratados, a economia nacionalizada, um ensino fácil e sem qualidade. Não os podemos culpabilizar, depois de uma ditadura seria normal uma década desregrada. Ninguém estava preparado, nem os políticos, nem a economia, nem o povo. Sobrou-nos o empreendorismo dos que das colónias regressaram para nos ensinarem o que era a aversão ao risco, a criação de valor e a esperança.

A segunda metade da democracia já teve consciência. A entrada na então CEE iria mudar o paradigma; passávamos de magrebinos esquecidos a europeus de segunda. Contudo, foi bom, os fundos estruturais iriam comprová-lo.

Depois do rigor do Hernâni Lopes e do sacrifício dos portugueses que abdicaram do 13 mês, veio a dinastia do Cavaco Silva. Promissora no primeiro mandato, fez o óbvio. Apostou nas infra-estruturas e na utilização dos fundos que nos disponibilizaram. E o discurso era de esperança, positivo, sem tempo para querelas pois tardava fazer-se Portugal. Contudo, os vícios falaram mais alto.
Primeiro fizeram-se as privatizações, e bem! Infelizmente não foram empreendedores que recuperaram a economia; a maior das vezes devolveu-se o capital a quem não estava preparado para o mercado livre, para a sã concorrência nas regras ditadas pelo mercado; as famílias que detinham os monopólios recuperaram os seus impérios e não lhes acrescentaram valor; de facto, e por via disso, não há em Portugal um verdadeiro self-made-man desde Alfredo da Silva. Nem mesmo o Belmiro, pois um empreendedor legítimo parte do zero.
Depois veio a vontade do fácil e do expediente. Numa sociedade sem cultura democrática nem ética, confundiu-se o Estado com direitos adquiridos, promoveu-se a criação de um aparelho indolente e de comportamentos que, embora socialmente aceites, a globalização veio mostrar serem eticamente reprováveis ou ilícitos.

Nem Cavaco na segunda metade do seu mandato, Guterres, Durão ou Santana nos convenceram que tinham um projecto para Portugal, que haveria entendimentos para reformas estruturantes na sociedade portuguesa. Caiu-se no laxismo potenciado por um povo mais solidário no insucesso do que no êxito (a tal inveja de que falavas). No entanto os números não mentem, e de falsidades e enganos percebeu-se que se devia fazer algo. Sócrates aparece num momento decisivo. Se for capaz de aproveitar a oportunidade ficará para a história, caso contrário será só mais um.

É-me indiferente a cor política do governo; são os homens que fazem a história e não os partidos. Se este homem tentar mudar Portugal então ele pode contar comigo. Mexeu em muitos interesses instalados, feriu muitos sectores, mas porra, teve tomates! E demagogia, como já escrevi, são os defeitos que encontramos nos outros para justificar os nossos. E essa técnica brilhantemente aplicada por todos os quadrantes políticos tem de ser esquecida; precisamos de arregaçar as mangas, valorizar o capital humano, sacrifício e muita, mas mesmo muita vontade de deixar um futuro melhor aos nossos filhos pois, como diz o adágio, que fale bem de mim quem depois de mim vier!

Abraço,

João

4 comentários:

Anónimo disse...

Deixei o comentário/resposta lá na vizinha Gotinha de forma a não dispersar a "discussão".
Um abraço democraticamente discordante.
:-)

João Mãos de Tesoura disse...

Já te respondi também na Gotinha.
Um abraço de quem se questiona sempre!

Anónimo disse...

Lá vou eu a correr à Gotinha ....
Devo dizer-te, Tesouras, que possa eu embora não concordar com coisas que dizes, devo admitir que o fazes de uma forma sublime.
//(~_~)\\ um beijo da Titas

João Mãos de Tesoura disse...

Querida Titas

Não sabes a inveja que tenho de ti, assumo, isso de viver em Roma onde cresci e vi nascer uma irmã... custa, dói! :)
Volta sempre e vai comentando, gosto de te ler!