terça-feira, abril 12, 2005

Desfocado

As luzes começam a esbater-se lentamente. O silêncio acompanha a escuridão a anunciar não a ausência de tudo mas, pelo contrário, o início da novidade. Ouvem-se os rodízios a chiarem com o movimento do pano. O espectáculo vai começar.

Em simultâneo, vários focos acendem-se apontando o céu. Os corpos vestidos de negro que os seguram deslocam-se em movimentos erróneos no palco. Não há mais som para além dos passos descoordenados.

Subitamente, uma cara entra em cena iluminada pelo seu próprio foco, é mulher e não terá mais de 30 anos. A velocidade que imprime no ziguezaguear que faz por entre os outros focos é acompanhada pelos sons espaçados de uma flauta. Pára, lança agora o foco para cima a imitar os restantes. A flauta deixa de tocar como se toda a vida daquele foco tivesse ficado esgotado.

Num passo cada vez mais acelerado aponta agora o foco em frente na procura das restantes caras. A flauta solta sons estridentes no meio de uma melodia pausada. Tristes, felizes, admiradas, indiferentes, são estas as caras que encontra. A sua, porém, nunca sorri. Em desespero pousa o foco, terá desistido? O foco roda sobre si em solavancos até se deter nos pés de alguém que não tinha luz.

Como é belo aquele corpo iluminado por baixo. Ele, assustado, dá um passo atrás ficando somente com os pés no lusco-fusco. Ouvem-se passos; ela está agora ao lado dele, os pés iluminados de ambos denunciam-nos. Os outros focos começam a agitar-se enquanto se vão aproximando. A flauta calou-se, ouve-se só o som de um tambor como se de um coração se tratasse.

Os focos estão agora unidos a apontar o céu. Em uníssono e num movimento circular de cima para baixo, concentram-se todos no par enamorado como se a felicidade deste os incomodasse. A flauta solta um som continuado, um lamurio, enquanto o casal desfalece no palco. Os focos apagam-se, nem todos ao mesmo tempo, a fugir da culpa, evitam a vergonha.


Where you expecting another one?

Why? The colour light bothers you?

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