Um homem independente tem, por isso mesmo, bastantes limitações. Basta termos casa própria para nos sentirmos perdidos. Ensinaram-nos que a lida doméstica seria tarefa de outras, que não nos teríamos de preocupar com essas chatices quotidianas. Depois crescemos e sentimos a realidade dura e crua. Regressar à casa da mamã estava fora de questão, restava o recurso ao outsourcing... a empregada doméstica, essa incompetente bem paga que mal vemos e que nos guarda as jóias a contra gosto. Nem tudo é mau, ganhamos qualidades de gestão: contratação de serviços, planeamento de tarefas, gestão de stocks, controlo de tempos e qualidade, e gestão de tesouraria. E pagamos para quê? Meias que nunca conheceram os seus pares, pó que teima em conquistar todos os cantos da casa, roupa que tomba da despensa sempre que se abre a porta, frigorífico delapidado das suas melhores iguarias e, não raras as vezes, um extracto telefónico com números a quem nunca conhecemos a cara. E como comunicamos? Evita-se o contacto directo, dele resulta geralmente indisposição e necessidade de novo recrutamento. Uma folha escrita com caligrafia visigótica na banca da cozinha confirma as horas despendidas e relembra necessidades mais espartanas. Ainda hoje me surpreendo nos supermercados; a diversidade de produtos e funcionalidades é apetitosa; depois de ler as qualidades de um detergente tive impulso para o provar! Fiquei pelo desejo, hoje opto pelas cores e assim garanto a harmonia da estética do lar. A Zulmira, nome da última reumática que se arrasta pela casa, queixa-se que estraga as mãos, que eu devia comprar amaciador; calculo que seja por isso que as minhas camisas preferem os cuidados do Cinc a Sec... manias! Regresso agora a casa; sei que ao abrir o correio encontrarei avisos que me notificarão que ninguém esteve em casa para recepcionar algo que terei de levantar urgentemente. Ah! Zulmiras deste mundo, o que seria de nós sem os vossos préstimos?
Há emprego e trabalho, mas o segundo dá cá uma trabalheira!
Recordo a senhora Maria, cresceu e morreu na casa da minha avó materna; era família, certamente!
KARAOKE
(No More Talk, Dubstar)
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