O toque fez-se sentir estridente na nova instalação de som. O ruído ecoou nas paredes num arranhar profundo e desconcertante. Mário, 32 anos, pai, está há 13 meses sem liberdade maior do que aquela que a planta e rotina da sua ala permite. A denúncia de um amigo do filho mantinha-o em preventiva. Quem o conhecia sabia bem que as madeixas brancas não provinham de desgosto maior do que aquele, o de olhar o filho sem falar porque a voz não obedecia ao que a consciência não alcançava.
José, 27 anos, teve por furto repetido uma sentença de 24 meses. Não tivesse uma arma de fogo e só teria conhecido os calabouços da judiciária. O ofício que agarrava na mão não mentia, o bom comportamento e a lei permitiam-lhe agora o benefício da precária. Olhou-se no pequeno espelho; há 11 meses que não usava gravata e estranhava vê-la assim dependurada. Acendeu um cigarro e numa inspiração prolongada deixou o quente invadir-lhe os pulmões. Era hoje um homem livre; contudo, não sorria.
A campainha sibilou novamente, agora de forma mais nítida. A hora era de encontros e o filho de Mário nunca falhara uma visita. Vinha com a avó porque a mãe não vencera ainda a vergonha. Se Mário sofria, ela definhava.
Há meio ano que José e Mário partilhavam a cela. Abraçaram-se, a cumplicidade na fatalidade cria laços que nunca se apagam. Se o primeiro errara, o segundo sofria a injustiça do destino. Os olhares cruzaram-se e no fundo dos negros olhos de Mário vislumbrou-se um brilho. José nunca saberá se ele sorria ou chorava.
Muralhas de almas.
Teresa Dias Coelho, 1994.
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