A cidade de Qalqiliya na Cisjordânia encontra-se isolada do exterior por um muro de 8 metros de altura. Rivaliza em dimensão com a muralha da China e em intenção com o muro de Berlim. O único ponto de passagem é tão estreito que os carros da cidade jamais poderão sair. Os burros, outrora em extinção, servem agora como meio de transporte. Mais do que povos o muro separa crenças, e não há nada como a fé para acirrar ódios. Não se questionam as verdades da alma nem as formas de as impor. Há muito que a lógica não tem aqui assento.
Ali Jaafar nasceu em Nablus há 22 primaveras. Nunca soube o que seria um dia em descanso, sem mais aborrecimentos do que as trivialidades da vida. Há mais de seis meses que não trabalha. Maldita hora, aquela em que optou por ser camionista, pensou.
Aki Kaurismäki tem ascendência polaca. Os seus avós viveram em Varsóvia; bastava-lhe a memória de uma diáspora forçada para não acreditar na força da tolerância. Há três meses abandonara o doutoramento em San Diego para cumprir com o dever de proteger a Terra Santa. Calhou-lhe em escala estar hoje no check-point.
Via-se agora distintamente na linha do horizonte a silhueta do par, à frente Ali puxava o burro carregado com duas caixas com rações de arroz, azeite e açúcar. Não fosse o apoio da Cruz Vermelha e há muito que estariam sem mantimentos.
- “O que levas ali?” pergunta Aki apontando para as caixas.
Ali olha-o espantado “Como sabe o meu nome?”
- “Responda só ao que lhe pergunto! O que tem nas caixas?”, o tom adivinhava problemas.
- “Aqui só tenho rações” afirma Ali colocando a mão na caixa.
Num gesto brusco Aki encosta a arma ao palestino. “Agora pergunto eu ... de onde me conheces?”
- “Quem, eu? Mas foi você que me tratou pelo nome ainda agora aqui!” desespera Ali.
- “Tornas a trata-me pelo nome e morres, enterro-te a ti e ao teu burro ali na valeta, porco imundo!”
- “Imundo terá sido teu pai que cobriu a tua mãe ó cão infiel! Hás-de morrer aqui!”.
Aki e Ali envolvem-se numa luta corpo a corpo. A preparação do militar leva a melhor. Ali encontra-se agora prostrado sob o pé ameaçador de Aki.
- “Pergunto-te pela última vez, o que tens nas caixas?” indaga Aki enquanto agarra a corda que pende do burro.
- “Passamos fome, o que querias que fosse? A justiça?” cospe Ali com algum pó que engolira.
- “Veremos se falas verdade!” e num gesto brusco puxa a corda do burro.
A explosão ouviu-se do outro lado da cidade. Um ancião do Hammas que dormitava na sombra de um coberto abre os olhos e, sem perder a calma, proferiu “Está-se melhor aqui do que ali!”.
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