Arranquei com o sentido de urgência de não chegar muito depois do trabalho dela. Ela esperava-me por certo, sempre o fizera, mesmo com a tempestade. A discussão impossível que tivemos não nos separou, mas criou o desconforto que só se desvanecia com a presença física, com o toque sentido. Contudo, ambos sabíamos que a nossa relação não era saudável, que bastava a distância para que se instalasse a dúvida.
Vi ao longe o recorte do horizonte e mesmo atrás o pôr-do-sol. Percorri alguns metros como um cascadeur, mantendo o carro em duas rodas durante umas boas dezenas de metros sem perícia nem vontade. Agora já não sentia medo, tão somente a certeza da minha impotência sobre o desfecho. O rail, esse, caminhava a meu lado como que a acenar-me à janela.
Namorávamos há 10 anos e fora sempre assim; um tumulto de palpitações. A paixão dera lugar a uma mescla de sentimentos que gravitavam entre o interesse, a admiração e alguma ternura. Amor consentido e desejado nunca houve, nem mesmo num dos lados. Os beijos tornaram-se mecânicos e ternura maior só na intimidade porque em público as palavras trocadas serviam para garantir a convivência. Uma estopada, um embezerramento!
O carro tombou no asfalto num grito continuado. Sob o capot milhares de faíscas saltavam agora numa vertigem de fogo-de-artifício. As mãos continuavam agarradas ao volante para suster o corpo que teimava em tombar também. Senti na cara a pancada de um objecto estranho; a rapidez do embate impediu-me de descortinar a origem da investida; sem dor, um fio de sangue descia da face esquerda para a orelha terminando em grossos pingos na janela. O telemóvel tocava agora numa inconveniência gritante; alguém importunava a gravidade do momento.
As famílias conheciam-se há muito; a união era desejada e só a colocação dela noutro distrito fizera adiar uma decisão já tomada. A tradição haveria de manter-se; casa, filhos e uma vida em clã para evitar desvios ou isolamento. Tudo fora pensado; a armadilha estava montada.
O embate final foi violento. O corpo foi atirado contra o volante vindo a dobrar-se sobre ele. Não senti dor, ficou a sensação de me abraçar a algo e a esperança que tudo terminasse assim. Os vidros estilhaçaram-se sobre mim num tilintar cristalino enquanto o carro se imobilizava. O telemóvel continuava a tocar. Fechei os olhos e adormeci; o sonho era o silêncio.
Ela pousou o telefone. Estaria atrasado como era seu hábito. A mãe dele tinha-lhe confirmado a partida; esperaria por ele para jantar. Olhou o anel que ele lhe oferecera meses antes e pensou, "Hoje será um recomeço!".
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KARAOKE
Breaking The Habit
(Linkin Park)
Memories consume
Like opening the wound
I'm picking me apart again
You all assume
I'm safe here in my room
(unless I try to start again)
I don't want to be the one
The battles always choose
'Cause inside I realize
That I'm the one confused
I don't know what's worth fighting for
Or why I have to scream
I don't know why I instigate
And say what I don't mean
I don't know how I got this way
I know it's not alright
So I'm
Breaking the habit
Tonight
Clutching my cure
I tightly lock the door
I try to catch my breath again
I hurt much more
Than anytime before
I had no options left again
I'll paint it on the walls
'Cause I'm the one at fault
I'll never fight again
And this is how it ends
I don't know what's worth fighting for
Or why I have to scream
But now I have some clarity
To show you what I mean
I don't know how I got this
I'll never be alright
So I'm
Breaking the habit
Breaking the habit
Tonight
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