domingo, dezembro 26, 2004

Roteiro da emoção

Não seria um dia como os outros. Olhou a paisagem e sorriu. Em breve chegaria ao encontro planeado.

Falavam-se no chat há 3 semanas e nunca antes se tinham visto. Estranho, nenhum deles precisava do mundo virtual, eram demasiado seguros e extrovertidos; contudo, o fascínio pela descoberta impeliu-os para a net. As primeiras frases foram de picardia mas o interesse ficou. Foi ela quem depois o procurou e não seria uma novidade já que não o fazia pela primeira vez. Um divórcio recente e a necessidade de descobrir algo que lhe faltava impeliam-na à aventura. Ele parecia interessante; a foto e a apresentação no perfil do chat confirmavam o apelo.

O parque do centro comercial estava cheio. A proximidade do Natal criava a balbúrdia própria dos últimos preparativos. Ele chegara primeiro. Embora fossem 8 horas da tarde e há muito se fizera noite, ele estava de óculos escuros no mesmo registo da foto que ela conhecia. Sentia-se estranhamente tranquilo como se aguardasse alguém que sempre conhecera.

As conversas foram-se sucedendo a um ritmo diário. A empatia levou à confiança necessária para que ela partilhasse o seu telemóvel. A primeira chamada foi estranha; descobriram as vozes, doce a dela e sensual a dele. A empatia continuou. As gargalhadas prolongaram-se noite adentro entre confidências inconfessáveis. Tornaram-se cúmplices de verdades partilhadas e com a passagem dos dias ambicionavam que estas fossem reais, que nada fosse logro. Esse era o receio, conheciam-se pelo que o outro dizia de si, não havia outra garantia para além disso.

O telemóvel tocou. “Onde estás?”, perguntou-lhe ela. Ele indicou-lhe o sinuoso trajecto até ao seu carro. Ao cruzarem-se, ainda no carro, ela não conseguiu evitar um sorriso ao vê-lo de óculos; o cuidado no pormenor criava a emoção necessária à descoberta dos olhos. Como seriam?

A vontade de estarem juntos aumentava. Ele sugeriu-lhe passarem pelo menos um fim-de-semana juntos; nada menos do que isso para evitar que o que tivesse de ser dito não o fosse. O local seria uma surpresa, mas nunca muito longe da cidade dela.

Ele abriu-lhe a porta. Ela saiu do carro não conseguindo esconder o sorriso. Abraçaram-se, só! A força desse momento iria acompanhá-los depois. Ele tirou os óculos e sorriu no sorriso dela; perfeito, não havia desilusão.

O hotel era magnífico. À espera uma suite com uma cama king size. Olharam-se e ela corou. Tinham combinado que nada aconteceria que não tivesse de acontecer, e assim foi. O desconforto dela seria rapidamente quebrado. Ele, mais velho, aproximou-se e abraçando-a mirou-a nos olhos num profundo olhar; não haveria nada menor do que um beijo que calasse aquela vontade. Amaram-se repetidamente, este não era um encontro acidental.

Mudaram a bagagem dela para o carro dele. Arrancaram em carros separados pois ela ainda iria deixar o seu em casa. O encontro criara nela o último reduto de confiança que ainda necessitava. Agora no carro dele, agarrou-lhe a mão e acariciou-a continuadamente, como se o contacto físico lhe compensasse a ausência de alguém que se ambiciona. Ouviram música e as palavras deram lugar a sorrisos que trocavam sem receio.

Tudo era perfeito; o que faltava, o sexo, esse foi sublime. O encontro era de almas gémeas, diferentes na idade e condição, mas numa rara conjugação de interesses. O olhar era agora apaixonado, e se ele era mais afoito, ela, ao revés, não colocava nas palavras a emoção que sentia. Nunca o fez; nem antes, nem agora.

O carro assomou à entrada do resort. Os pesados portões abriram-se para dar entrada aos hóspedes. Esperavam um casal jovem e no início de algo, fora isso que ele dissera na reserva. O carro parava agora à frente do hotel. Ela não conseguiu esconder a surpresa que lhe invadiu a face. Ele prometera e cumprira. Confirmava-se o gentleman.

Chegara o tempo de partir. Ambos sentiram a mágoa, a força do inevitável. Tudo tinha sido encantamento até ali. Amavam-se, pensava ele. Ela defendia-se de algo que receava ser demasiado forte para a distância a que ficavam. Defendia-se também de uma nova relação pois temia o insucesso. Ela queria saber amar, sem sofrer, sem indiferença. Ele queria partir sem dúvidas. Só o futuro diria se a insegurança de ambos se transformaria em equívoco.

Na recepção confirmaram a reserva. Feito o "check in" o funcionário disse amavelmente “Bem-vindos ao nosso resort” e, dirigindo-se agora a ela, reforçou “a senhora poderá ainda hoje utilizar os nossos serviços de SPA”; o apelido usado, esse, era o dele …


O além é já ali …

Massagem de pedras quentes … ou as mãos de Deus!

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