sexta-feira, junho 17, 2005

Al dente

Tempos houve em que a coerência de ideias formava o carácter de um homem. Hoje isso não basta, a informação com que nos bombardeiam permite-nos ver o mundo de uma forma plena se a conseguirmos sintetizar. Não há coerência sem conhecimento, essa é a diferença entre a especulação e a sabedoria.

Não sou de esquerda nem de direita pois acredito que não há diferenças onde a ganância e o capital predominam. Já foi tempo de ideologias, hoje resta-nos a ambição de cada um. Contudo, não posso, não quero, não deixo passar em claro a morte de Álvaro Cunhal.

Morreu um homem que lutou por um Portugal diferente, que sofreu na pele as razões da sua diferença, que nunca mudou de opinião nem mesmo face à arbitrariedade. Mas isso não faz dele um homem melhor, somente coerente.

Razão cega com que defendeu a invasão da Checoslováquia, com que apadrinhou a tomada de poder pelos partidos comunistas nas ex-colónias, com que ignorou os que sofreram nos Goulag de um país em que a democracia foi pretexto para a perseguição, exclusão e morte. Tudo isto ele soube mas nunca claudicou à causa, manteve-se fiel até ao fim numa cegueira só possível em alguém conquistado pelo ódio, como tantos outros.

Morreu um criminoso como o foram Salazar, Vasco Gonçalves, Estaline ou Hitler. Todos coerentes, mas nem todos com o poder que ambicionaram para bem da humanidade. Morreu um criminoso, um homem que não hesitaria em sacrificar a vida de outros pela sua causa, pelo seu sucesso. A diferença entre Cunhal e Estaline esteve na oportunidade, na fortuna de termos tido uma oposição esclarecida e corajosa.

Que hipocrisia, um dia de luto por alguém que fez sofrer tantos, que atrasou o País e que defendeu o uso das armas para a queda de um regime que, tal como o seu, era totalitário; antes fosse feriado para que se soubesse que escapámos ao comunismo.

A política tem destas coisas, apagar o passado para apaziguar o futuro!



Goulag de Estaline! Hitler nem foi original...

5 comentários:

João Mãos de Tesoura disse...

Podem linchar-me, queimar-me vivo ou ignorar-me. Seria ignóbil se não dissesse a revolta que me vai na alma. Amo demasiado Portugal para ver as gerações perdidas a denegri-lo num festim de vaidades, comiseração e medo.

Raquel Vasconcelos disse...

Não estou a colocar em causa se estás certo ou errado pq não gosto sequer de discutir política.

De um ponto de vista apenas psicológico digo-te que a tua visão me fez recordar um filme...

Minority Report
Plot Outline: In the future, criminals are caught before the crimes they commit...


Segundo algumas teorias de Freud, os cirurgiões são homicidas em potencial que derivaram para algo 'melhor' os seus instintos sanguinários... (Não certamente por estas palavras mas não me recordo melhor do que isto...).


Afinal... há histórias que nunca saberemos como poderiam ter sido.

red hair disse...

Andei todo o dia revoltada com tanta hipocrisia mas não saberia explicar-me assim tão bem como tu o fizeste. Obrigada por isso. Esclareceste e clarificaste algumas das ideias que andavam aqui em grande ebulição!

SaoAlvesC disse...

olha João, foi por não ser capaz de colocar em palavras a "fúria" que senti, que nem sequer referi a morte deste homem coerente la no meu estaminé...
mas tu escreveste por muitos! obrigada.

João Mãos de Tesoura disse...

raquel v.: e ainda bem... :) contudo dá para calcular pelo os que sofreram nas nossas ex-colónias; claro que a culpa não foi só dele, mas ele representava os interesses que se instalaram!
vulcão: não acreditar que o comunismo foi idêntico ao nazismo seria branquear o passado; não há ideologias extremas, há sim ditaturas violentas! Beijos :)
mwoman: ainda bem que pude ajudas! Tenho saudades de ti miúda, vê lá se voltas a escrever depressa! :)
pandora: essa caixinha de surpresas... saudades! Beijinhos
realso: meu caro, não se trata de compensação; de facto, Salazar foi, desculpe-me o termo, um provinciano que no início nos ajudou mas que no fim nos atrasou como poucos. Antes tivesse ficado nas Beiras, donde nunca devia ter saído... ganhámos um péssimo "condutor" e perdemos um bom padre... coisas!