segunda-feira, outubro 11, 2004

Conto ou não

Num tempo muito ido, quando os animais falavam, havia uma estrelinha perdida no escuro da noite, num canto só seu. Estava sozinha a marcar aquele ponto do Céu. O tempo passava e ela ia perdendo o brilho. Sentia-se só. Um dia, olhando as outras estrelas, vislumbrou a Terra. Como era bela, pensou! E com o encanto veio a vontade irresistível de a conhecer. Decidida, entrou na noite da floresta, qual estrela cadente, deixando um rasto de luz intermitente na copa das árvores. Não houve pássaro que não acordasse e a anunciasse com piado abalado. A luz e música acompanharam-na num bailado que a fez sorrir. A curiosidade era tamanha que se sentia a rebentar, tivera peito e morria ali. No meio da noite descortinou ao longe uma pequena luz. Iria para lá! Seria uma alma gémea; mas não, a luz estava imóvel. A casa ia ganhando forma; a luz, essa, brotava de dentro e fugia para a noite que ali começava. Bateu à porta. Lá dentro, um cão, um cavalo e um porco jogavam às escondidas. Foi o cavalo que assomou à porta. Intrigado olhou e nada viu. Ia a fechar a porta quando ouviu um olá quase perdido. Olhou novamente e nada! Ouviu agora vindo de cima, “aqui, estou aqui!”. Num movimento lento levantou a cabeça enquanto esta ia ficando ruborizada com a luz que a estrelinha emanava. Sorriu, o espanto tomou-o de pronto. “Quem és tu?” indagou. “Sou a estrelinha, posso brincar?”. “Claro que podes, entra.” e dizendo isto encaminhou-a para a sala. “C’um caneco!” exclamou o cão enquanto o porco, mais velho e vesgo, se limitou a mirá-la através do óculo que herdara da mãe. Em breve estariam todos a brincar. Seria o cão a apanhar. Encostou-se à parede e contou até cem, e não foram poucas as vezes que se enganou, a vontade de jogar era muita. O porco, pressentindo a proximidade do cão, saltou de rompante do armário e numa corrida escorregada alcançou a parede. Em leitão correra melhor, lembrou. O cavalo, ainda o cão olhava o porco, lança-se detrás da porta indo embater com um sonoro coice na parede gasta em jogos repetidos. Restava a estrelinha, desesperava o canídeo. Tudo procurou e nada! Nada mesmo! Com o tempo a busca transformou-se em pânico. Agora todos procuravam. O porco opinou “fugiu por certo! Não há estrela que se esconda ...”. O cão, mais prosaico, admitiu “Se calhar apagou-se!”. O cavalo ao ouvi-los bocejou e afirmou do alto da sua nobreza “Ela só queria brincar! É uma criança ...”. Ainda não tinha terminado e a voz doce fez-se ouvir “Escondi-me aqui, tontos!”, e o tecto iluminou-se com os raios que o sorriso dela projectava. Olharam todos para cima e perceberam o óbvio, uma estrelinha seria sempre uma estrelinha, e ainda bem.


Quem tem medo de ser feliz?

Que a luz deste conto ilumine a cara de uma criança, basta uma e valeu a pena!

Sem comentários: