domingo, novembro 02, 2008

Estória de embalar...

Imagina que tens 100 euros e que não precisas deles. Uma ficção, portanto. Vais ao banco depositá-los pois acreditas que é a melhor forma de os remunerar, podendo dispor deles de forma imediata sempre que o desejares. Isto é, emprestas esse dinheiro ao banco e este paga-te um juro ridículo... não vás tu levantar o teu dinheiro amanhã.

Depois, o mesmo banco vai emprestar o teu dinheiro a outro gajo a um juro muito mais alto pois precisa de “ganhar o dele”. Contudo, não pode pedir ao gajo o dinheiro todo a meio do processo, estando obrigado a cumprir o contrato. Mas, como não é parvo, vai fazer-se pagar primeiro dos juros e só no final recupera o capital; isto é, o gajo vai pagar no início mais juros do que capital amortizado. Assim, se o gajo quiser transferir o crédito para outra instituição de crédito o banco já “ganhou o dele”. E tudo deve correr bem, pois o departamento de crédito analisou o risco do cliente. Ele só precisa dos 100 euros para comprar um coelho especial; é suposto que este se reproduza e que da prole faça negócio.

O banco, para parecer seguro, pede a uma empresa que o avalie. A empresa de ratting vai ao banco, faz as suas análises, publica os resultados e é paga... pelo banco. Nem mais, na banca trabalha-se por objectivos, nas empresas de ratting também e ninguém gosta de perder clientes, “you know what I mean...”

Mas o grande problema é que os teus 100 euros não chegam para os empréstimos que o banco concede. Há mais um cliente a precisar de 50 euros. Assim, o teu banco vai pedir a um banco estrangeiro este dinheiro; sim, porque os bancos portugueses para cada euro depositado emprestam um euro e meio. Claro que o banco estrangeiro vai querer ser remunerado pelos 50 euros e, assim, cobra juros ao banco português.

O banco estrangeiro também empresta mais do que tem o que o obriga a pedir um empréstimo a um banco maior para cobrir os seus créditos. E assim sucessivamente até chegarmos a Deus, isto é, ao concílio dos Deuses, ao final da cadeia, aos bancos para os quais já não há outros que lhes emprestem dinheiro. Sim, entre eles estava o Lehman Brothers. Pois bem, o Olimpo empresta dinheiro a outros bancos, a grandes empresas e, imagine-se, até a países.

Os Estados, pessoas de bem, aplicam impostos menores à banca pois é um negócio de risco, percebe-se porquê.

Alerta! O coelho morreu!

O gajo deixou de pagar juros ao banco pois não consegue vender coelhos. O teu banco não vai deixar de pagar os teus juros ridículos, não vás tu levantar os teus preciosos 100 euros que ele entretanto já emprestou ao criador de coelhos. Mas como não recebe os juros do gajo, opta por não pagar ao banco que lhe emprestou 50 euros.

Alerta! É uma epidemia. Os coelhos estão a morrer em todo o lado.

O banco estrangeiro “está agarrado”. O teu banco não lhe pagou nem os gajos que lhe pediram dinheiro para a criação de coelhos. Também ele não vai pagar aos bancos que lhe emprestaram dinheiro. E assim sucessivamente até chegarmos ao Olimpo. Um dos deuses em agonia pediu ajuda, mas um dos seus clientes negou-lha e ele faliu. E assim ficaram os irmãos Lehman, falidos, o que não é saudável para os judeus. O cliente americano acreditava que o problema era pontual; afinal o mercado livre tinha de funcionar, as empresas de ratting asseguravam que o mercado estava bem; isto é, que a qualidade do crédito era boa...

Contudo a confusão foi geral. Grande parte dos criadores de coelhos estavam falidos e os seus bancos iam pelo mesmo caminho.

Em desespero de causa o teu banco precisava de uma solução. Mas qual? Precisava de comprar algo que se valorizasse rapidamente, em que a procura fosse maior do que a oferta, um bem escasso. Perfeito, começaram a comprar produtos derivados indexados ao petróleo. Mas o que é um derivado? Como o próprio nome diz ele deriva de outros produtos financeiros. É um produto para especuladores; de facto, e de forma simples, duas pessoas apostam em sentido oposto relatiavamente ao valor futuro de um bem. É, assim, um jogo de soma nula; um perde e o outro ganha. (ainda bem que escrevo anónimo, pois o tema é complexo e não se reduz ao que escrevi... os puristas devem estar a ferver!)

Os produtores de petróleo viram repentinamente a procura a subir de forma assustadora o que levou o preço do petróleo a valores nunca vistos. O teu banco acreditava que podia comprar parte da produção de hoje (que é vendida a 6 meses de distância) e vendê-la daqui a uns tempos com ganhos que cobrissem o prejuízo provocado pelo criador de coelhos. Desespero, a quanto obrigas...

Entretanto, os Estados, num acto altruísta, emprestaram dinheiro dos teus impostos para que os bancos não se afundassem com os criadores de coelhos.

Por agora tudo bem. Estamos numa crise controlada. Em 2009 o teu banco vai ter de exercer os futuros (um tipo de produtos derivados) que tem indexadas ao petróleo que, ao que tudo indica, valerá muito menos do que eles esperavam que valesse nessa data. Assim, os bancos não só perderam dinheiro com os criadores de coelhos como vão perder dinheiro com o petróleo.

Quem lhes emprestará dinheiro nessa altura? Os produtores de petróleo? Pois é, vamos assistir em 2008 e 2009 à transferência da propriedade dos bancos para outros bancos e, essencialmente, para fundos soberanos de países produtores de petróleo – Noruega, Emiratos Árabes Unidos – ou com excesso de liquidez – China. Ainda vamos acabar a pagar os nossos juros... nas lojas dos 300!

O que é certo é ninguém sabe qual vai ser a dimensão da crise em 2009, mas adivinho que seja muito pior do que a de 2008. Recessão dixit!

Conclusão: inventámos países para nos darem o que não tínhamos ou para fazerem o que não queríamos fazer, e eles vão emprestar-nos dinheiro para que continuemos a fazê-lo. Não vivemos na sociedade da informação mas sim na da especulação, o modelo não é o do capital mas sim o do vício. “Estamos todos agarrados”!


Qual é a tua broca?

Dólares meu, dão cá uma moca!


Nota: comentários a este post devem ser acompanhados de receita médica...

6 comentários:

Thiago Forrest Gump disse...

Continuarei a jogar na mega sena!

Andreia disse...

Pois é, e tornou-se num ciclo vicioso!

mfc disse...

Tou feito ao bife, não é?!

João Mãos de Tesoura disse...

thiago: não percas na mega sena! :)

adreia: e o pior é que nenhum dos viciados vai preso...

mfc: bife? Se nos restar o arroz e a salada já não é mau! :D

Anónimo disse...

Fiquei cansada ... essa dos gajos vem da tua "veia" nortenha... o que acontece é que os nossos antepassados guardavam dinheiro nos colchões... e parece que há muito quem o faça de novo, visto que ele também já não sobra para render juros... e o melhor mesmo é viver cada dia o melhor possivel, se diziam que em 2009 havia recuperação, enganaram-nos... porque ainda vai mais fundo... sabes o que me deixa ainda contente com esta história da banca?! será que ainda me safo de pagar o empréstimo?!! hehehe
Bjito e toca a inventar novas formas de rentabilizar o money...

João Mãos de Tesoura disse...

ivone: estás tramada, que se saiba não vão falir bancos no Porto... pois foram todos comprados por bancos de Lx! hahaha!
BRINCO!
Sempre podes conveter o teu empréstimo numa renda se estiveres à rasca!
Entretanto, Alerta, chefe! Once a scout, always a scout!
Bjs