Mãos

Deitei-me tarde, cansado de uma noite passada entre amigos. Nada faria esperar que sonhasse, mas sonhei. Estava longe, muito longe, e pairava sobre um cenário acolhedor. Em baixo alguém escrevia pausadamente, todas as palavras eram pensadas. Sorria. A alegria era genuína, quase inocente, e os vocábulos estavam carregados de sentido. A escrita só era interrompida para degustar o vinho num cerimonial lento, onde nem os olhos escondiam o prazer do palato.
Acordei e senti um enorme impulso para desenhar, queria perpetuar aquele momento. Peguei em carvões velhos e rasguei traços não muito seguros. Desenhei de cor, como se conhecesse desde sempre este sonho que me visitara.
Quando acabei apercebi-me que não desenhara as mãos, nenhuma delas. Ficaram escondidas a negar-me a escrita, queriam encontrar-me em vida. Olhei o esboço e não neguei o desafio, irei pintá-las certamente!



Estas mãos têm muita força, são subtis os seus sinais...
E não, a camisa não é negra, estou certo!